domingo, 3 de junho de 2012

2012_05_27: Ironman Brasil

Acordei e vi a hora. Ainda não são 4:30hs, hora que o despertador está programado para tocar, mas não consigo dormir mais. Mesmo assim, fiquei ali parada na cama relaxando um pouco, afinal hoje é o grande dia.

Parece que foi ontem que estava acordando a essa hora para ver a largada do Ironman 2011 do mar. Fomos de carro até o Taiko e colocamos os caiaques na água. Ali no nascer do sol daquele dia frio de fim de maio, com 1800 pessoas entrando na água e nadando simultaneamente, mais parecendo um cardume gigante preso em uma rede, eu decidi: "Quero sem um Ironman..."

Na mesma semana nos inscrevemos, eu e meu noivo, hoje meu marido, o ano passou voando.
Ao todo nossos treinos somaram aproximadamente: 135 km nadados, 4800 km pedalados e 1600 km corridos.
Foram muitas noites e fins de semana treinando, muitas horas longe de nossos amigos e família, muito dinheiro (triathlon não é um esporte barato), muita roupa para lavar(afinal, tem essa parte também).
Mas sinceramente, "ser um Ironman não tem preço".

Nos últimos três dias tudo gira em torno da prova. É treino de natação oficial no local, buscar kit, ver feirinha de triathlon, encontrar a galera do treino, simpósio técnico, arrumar as sacolas para a prova (ao todo 6: uma para natação, uma para bike, uma para corrida, uma para deixar casaco e outros pertences antes da corrida, uma special needs da bike e uma special needs da corrida), arrumar e testar as bikes, organizar tudo que será comido e bebido na prova, mochilas para dois dias e coisas que serão necessárias antes e após a prova (pois vamos ficar em uma pousada em Canasvieiras), bike check-in, jantar de massas(cuidar muito do que come agora... ) e mais. Um Ironman precisa treinar muito, mas precisa ser muito organizado também.

Levantamos e fizemos o mesmo ritual de antes dos treinos: colocar a roupa, tomar os suplementos e vitaminas, comer bisnaquinha com nutela, pegar as "poções mágicas" (basicamente V02+Accelerade) e a mochila e seguir à Jurerê.
Deixamos o carro um pouco longe, mas em um lugar que seria fácil sair quando terminarmos a prova... E seguimos apé para o local de transição, a fila estava grande, mas foi rápido para pintar nosso braços e pernas com nosso número (isso é para facilitar a identificação durante a prova).
Apesar de muita gente, todos são muito educados e os staffs são muito atenciosos.

Entramos na área das bikes e aproveitei para deixar as poções mágicas da bike nela e da corrida na sacola da corrida.
Agora é só colocar a roupa de neoprene, passar vaselina no pescoço, pegar a toca e o óculos de natação e ir para a praia.


Largada
Na praia tem outra fila gigante para a área de largada... é um mar de gente alongando, alguns já molhados do aquecimento, e outros (assim como eu) secos – como a prova é longa - podemos aquecer durante a prova.
Quanto mais próximo da largada maior a agitação de todos, de repende ficou aquele silêncio (não sei se somente na minha cabeça). Desejei boa prova ao Rodrigão que estava conosco e disse até logo ao meu marido, nos encontramos na transição da bike. Veio o som da buzina e todos correram em direção a água. Nesse momento não corri, caminhei calmamente, queria aproveitar e guardar aquele momento com carinho. O sol lindo nascendo, o cheiro do mar, a água gostosa(por incrivel que pareça não estava gelada), alguna atletas já nadando, outros andando como eu, as pessoas ao redor da largada incentivando, um helicóptero sobrevoando a largada, vi meu marido a minha esquerda e mergulhei.
(Não consegui mais encontra-lo até chegar a transição. Mas você pode pensar é fácil – ele está de roupa preta e toca verde.)

Durante a natação
Nos primeiros minutos fiquei encantada com aquele nado conjunto igualmente sincronizado e desincronizado.
Nadei com poucos "encontros" até a primeira bóia, da areia podia ve-la bem pequenininha, mas ela é grande, a ainda assim com a ondas do mar aqui fora e com os braços dos outros atletas subindo e descendo é difícil ve-la. Mas mais difícil foi ver aonde teria que sair na praia... não conseguia encontrar, então somente segui nadando. Estava muito gostoso...

Nosso amigo, fotógrafo, treinador e futuro Ironman: Charles Herdt
Chequei na praia, vi o Charles batendo foto com água até o peito (a maioria das fotos daqui são dele, um ótimo trabalho), e corri para iniciar a segunda perna, essa menor... a maré estava levando para a direita mas não percebi... por isso acho que nadei bem mais do precisava, mas ainda assim saí da água com uma hora e vinte e quatro minutos... até que não foi tão ruim. Na saída encontrei a Luciana e o Hugo, meus amigos, como staffs que tiraram minha roupa de borracha... (nesse local tem uma piscina de água doce, depois meu marido me contou que pulou de "bomba" nessa piscina depois de sair da água)

Transição da natação
Corri para a área de transição e passei pelo Artur levando o Chiquinho (o Chiquinho tem uma alteração na coluna e seu irmão, o Artur, o leva por toda prova... eles são um exemplo de deperminação, e emocionam a todos quando passam). Peguei minha sacola da natação e da bike (vi que as do Vilson não estavam, então ele já tinha saido da água) e fui para a área de troca de roupa, a área feminina é bem pequena comparada a masculina, afinal somos 10% dos participantes do Ironman.
Coloquei o long e o biquini na sacola da natação, me vesti, peguei o que precisava e saí, as sacolas ficam ali, os staffs levam devolta para o local onde pegamos... do lado masculino podiamos ouvir um dos staffs avisando o tempo todo que as sacolas devem ser deixadas na área determinada... como nos somos poucas, não precisamos disso...
Na saída da área de troca tinha água, refri, gatorade e banana... não peguei nada, segui para a bike.
Na saída da área da bike, estava o Vilson me esperando.
Saímos pedalando e ouvimos algumas pessoas no caminho gritando nossos nomes... mas era tanta gente assistindo a prova e incentivando todos os atletas que reconheci poucas pessoas... saímos de Jurerê com um rítmo tranquilo, para soltar as pernas... ainda assim a primeira volta de 90km foi um pouco melhor que a segunda...
Na segunda volta quando chegamos na beira-mar sul, já com 130km rodados de bicicleta, já estava cansada e ainda faltava 50km... pouco depois começei a ficar enjoada e não conseguia comer direito. Tomei um pouco de gatorade e fim comendo o mínimo que devia...

Parte dois: bike
Foi um pouco menos de sete horas de bicicleta e finalmente fomos para corrida... estava preocupada por não conseguir comer direito, mas quando começei a correr e vi que estava bem para isso, e me empolguei...


Começamos a correr e o Vilson o tempo todo foi me colocando freio, na bike ele é melhor, mas quando falamos corrida em longas distância... :D
A primeira volta é a maior, de +ou- 21km, essa segue em direção de Jurerê tradicional e vai para Canarvieiras... nesse caminho tem dois morros que são bem difíceis, todos que vi caminharam nesses pontos, nós não fizemos diferente. Mais para preservar, pois sabemos que depois vai piorar... nossa média nesse periodo ficou entre 6min/km e 6:30min/km.

Por último a corrida
Foi uma lição de força de vontade ver o Artur empurrando o carrinho do Chiquinho naqueles morros, e também ver os cadeirantes subindo de ré, pois o morro é tão inclinado que acho que viraria a cadeira de rodas.
A parte da corrida tem um volta grande, e é seguida de duas pequenas de +ou- 10,5km, pegamos nosso marcador de primeira volta e continuamos, fechamos os primeiros 21km com duas horas e meia, estavamos bem...
A essa altura víamos no rosto dos atletas a dor, e também a determinação, cada um a sua maneira eles continuavam e nos também. Pena que não durou muito, os kilômetros que se seguiram foram cada vez mais lentos, o Vilson dizia que não estava bem, e pedia para diminuir cada vez mais o rítmo... Consegui fazer com que ele permanecesse correndo enquanto eu pude. Passamos pela multidão na Av. Búzios e todos incentivavam, corriamos devagar mas continuavamos correndo.

Terminando a segunda volta
No kilômetro 30 ele caiu pela primera vez, estava pálido e mal me respondia... ele ficou pouco tempo no chão e levantou, só que agora seguimos andando.
Os outros começaram a nos passar e começei a ficar angustiada, queria correr, queria terminar logo, mas podia ver no rosto do Vilson que ele não estava bem. E tinhamos combinado de fazer juntos, então ficaríamos juntos a prova toda.
Passamos novamente pela Av. Búzios e seguimos para nossa última volta. No kilômetro 33, alí mesmo na Av. Búzios ele caiu novamente, foram 28 minutos para conseguir fazer esse kilômetro. Ele começou a ter calafrios (já em casa, depois da prova, ele me contou que nesse momento ele chegou a sonhar com uma caixa de fósforo abrindo e fechando... loucura...) ele estava muito mal, como não tínhamos idéia do que estava acontecendo, demos sal e refrigerante para ele, ele tirou o tenis (ele não lembra disso) e não conseguia colocar mais.
Nossos amigos: Sérgio, Charles e Scheila, estavam nos ajudando, pois eu estava com muito medo dele realmente ficar desacordado, sorte que eles estavam conosco, a Scheila emprestrou o tenis dela e o Vilson conseguiu continuar.

Scheila e Sérgio nos acompanhando
Os kilômetros 34, 35, 36 ele foi ao chão a cada kilômetro, nesse momento convenci ele a sentar em um posto de hidratação e comer uma laranja, com muito trabalho ele aceitou, esse com certeza foi o pior momento, realmente pensei que teríamos que chamar a ambulância e ele teria que parar. Um socorrista da Unimed chegou a vê-lo, mas é claro que na presença do moço ele melhorou logo.
Assim que ele comeu a laranja, e comeu mais um gel ele vomitou... acho que tudo que ele havia ingerido nas últimas duas horas saiu pela boca dele. Pensei: "Agora ele vai pro hospital, direto pro soro..." Mas não, ele melhorou e saiu correndo, parecia um louco, correu uns 400 metros e começou a caminhar novamente...
Continuamos caminhando, agora ele estava normal, falava comigo e seguia em um rítmo constante.

Na última volta
Foi assim até chegar nos últimos 3 kms. Que ele foi para o chão novamente. A essa altura, eu já não conseguia comer mais, também já estavamos com mais de 14 horas de prova, eu queria terminar, e queria que ele terminasse também, juntos como combinamos.
Disse para ele: "Eu sei que você não está bem, mas eu também não estou conseguindo comer mais. Ou você levanta e terminamos logo com isso, ou daqui a pouco eu também vou estar no chão."
Ele levantou e seguimos de mãos dadas.

Chegada
Esses últimos kilômetros foram emocionantes, difícil acreditar que conseguimos. Não foi bem do jeito que esperavamos e que queríamos, mais conseguimos, talvez tenha sido até uma vitória maior pelas dificuldades que passamos durante a prova, do que se tivéssemos simplesmente corrido até o fim.
Foi duro, mais foi maravilhoso e como diz uma amiga nossa, a Lis da eks, e agora também Ironman, "Ninguém chega sozinho".

Carinho dos amigos: Eliane e Aldo
Obrigada, ao meu chefe que fazendo o Ironman, me fez parecer que seria possível. Obrigada, ao Roberto e o pessoal da Ironmind pelas muitas horas de treino.
Obrigada, aos parentes e amigos por todos os momentos que estivemos longe e vocês compreenderam que era por um objetivo que mudaria nossas vidas.
Obrigada, aos amigos que passaram o dia todo lá nos acompanhando... Aldo e Eliane (o abraço mais gostoso do mundo)..
Obrigada, ao meu irmão que veio de Tubarão, fez um concurso, pegou a maior fila até Jurerê para tentar me ver, e não conseguiu: Mano, o que vale a a intenção...
Obrigada, aos nossos anjos: Sérgio, Scheila e Charles, sendo que conheci a Scheila melhor durante o Iron, uma pessoa que não titubeou de tirar o próprio casaco e tenis por alguém que estava precisando. E andou quase 10 km de meia perto da gente...

Não teríamos conseguido sem vocês... muito obrigada. E até o Ironman 2013.
Mais fotos:
2012_05_27: Ironman

Link dos dados do Garmin da bike:

Link dos dados do Garmin da corrida: